A imagem que me vem à cabeça de Lucas, o médico que se tornou seguidor do Mestre é de um ancião bondoso, calmo e de barbas e cabelos brancos...
Três de meus avós (isso mesmo, eu tive avós) tinham também um pouco desta imagem. Todos eu os conheci já anciãos e também de barbas e cabelos brancos... Dois deles se foram e eu não tinha nem dez janeiros
nas costas, por isso a pouca lembrança dos mesmos, mas a fisionomia não me foge. Eram eles mais ou menos com a aparencia de Lucas... Pelo menos em minha imaginação. Um era bem tranquilo e bastante religioso.
Rezava sem parar dia e noite. Os outros dois. Ah! Os outros dois eram mais despojados destas coisas abstratas. Mas todos eram homens de grande caráter e personalidades, impares... Contaram-me alguns
parentes mais velhos que um deles, em uma época de muito calor e pouca chuva se irritou com Pedro. Isso mesmo! Não aquele Pedro que conhecemos, mas aquele que negou por três vezes o Mestre naquela
fatídica noite de dois milênios atrás. Esbravejando contra aquele abre e fecha a torneira celestial, para molhar a terra com as águas que caem céu disse que se o problema fosse dinheiro dispunha de um tostão
para trocar por água. E que Pedro medisse bem medido... Minha vó, mais ponderada reclamou baixinho:
O bom belho fez ouvidos de mercador, deu de ombros e ratificou a proposta. Não deu outra. Dia seguinte, cai um tromba dágua, daquelas com vento, trovão e relâmpago... Minha vó, religiosa que era,
novamente foi reclamar com o bom velho:
-Não ti disse para não provocar o divino... Viu? Tuas maluquices deram no que deram. Não bastasse a chuva, vento e trovoada...
Desta vez o bom velho não fez ouvidos de mercador. Ouviu atenciosamente os reclames da companheira, pensou um pouco de falou:
-Tens razão... Vou ver se resolvo isso, agorinha mesmo.
Pegou um facão de lâmina avantajada medindo 20 polegadas de comprimento por 6 polegadas de altura foi-se para o terreiro, rebater o vento e os relâmpagos. Aí o circo pegou fogo. Toda vez que dava uma
lapada de vento ou um relâmpago, o bom velho rebatia para cima e gritava a Pedro:
-Eu mandei comprar foi água, o vento, o relâmpado e o trovão pode ficar. Tô devolvendo...
Eu sempre me identifiquei um pouco com este bom velho. Ele me queria muito bem... Este mes de outubro, andava muito quente. Em conversa na calçada com um também bom vizinho, eu falei. Acho que vou mandar um centavo para que Pedro mande de chuva, para esfriar um pouco...
Ele, Pedro não, o bom vizinho me deu uma bronca e disse: -Tá doido!
Faça isso não.
Eu disse: -Cê acha que é muito?
-E como é, respondeu ele nas buchas...
Então eu disse: -Pois vou pedir para que Pedro mande distribuídos em chuva, vento, relâmpago, trovão e tremor de terra...
Ele ficou mais assustado ainda e disse: -Cê tá ficando doido homem de
Deus... Não fale heresias...
Falei e tá falado. Como meu avó não sou de arrodiar... Homem que é homem não volta com a palavra...
-Ai meu Deus do céu... gritaram em coro as comadres... Ele é um doido...
Esta conversa foi alguns dias atrás... Fechamos o negócio... Eu e Pedro... A vizinhança passou a me olhar atravessado... Não ligo muito para estas coisas... E para minha grande surpresas não é que Pedro me ouviu. E até concordou com a negociata mandando uma amostra hoje...
Amostra da chuva é claro, pois o resto da encomenda mandará tudo de uma vez só... Sabe como é logistica né...
Tenho dito... E sempre!!!
Manuel de Jesus