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03/02/2014

PARÓDIA DO BBB ENSINA ORIGEM DO UNIVERSO EM ESCOLAS

O mundo dá voltas. E os textos também. Em 2007, publiquei num glob.., quer dizer, num blog uma paródia do infame Big Brother Brasil, como se fosse uma disputa entre vários cientistas confinados numa casa para ver qual deles vencia o desafio de explicar a origem do Universo. Na época, o material teve recepção controversa. Muitos leitores me criticaram por misturar algo tão sério e sofisticado — a história da cosmologia — com o que pode ser qualificado como lixo televisivo de quinta categoria. A discussão morreu, o blog foi deletado, e eu me esqueci desse texto, como mais uma brincadeira divertida e nada mais.
Contudo, como sabemos (ou deveríamos saber), nada que você escreve na internet desaparece de verdade. Alguns blogs replicaram o texto, que em 2009 chamou a atenção de Pedro Colombo Júnior, do programa de pós-graduação interunidades em Ensino de Ciências da Universidade de São Paulo. Em parceria com Alexandre Bagdonas Henrique, ele escreveu um trabalho, apresentado em 2011 no Simpósio Nacional de Educação em Astronomia, no Rio de Janeiro, sugerindo que o texto podia ser usado em forma de peça teatral para ensinar cosmologia, em cursos de formação inicial de professores de ciências e em uma disciplina de pós-graduação em ensino de ciências.
Eles fizeram o teste e organizaram a atividade duas vezes para ver seus efeitos. “Após as apresentações, pudemos perceber que nas duas ocasiões tanto os alunos voluntários que apresentaram a peça quanto a plateia se divertiram bastante durante a encenação, o que gerou um ambiente agradável para se discutir a física, raramente encontrado em sala de aula de quaisquer níveis de escolarização.”
Henrique também mostrou meu texto original ao Grupo de Teatro Atuando em Psi, formado por físicos da USP de São Carlos e da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Interessados pelo material, eles decidiram adaptá-lo numa peça para ser apresentada em escolas. Em 2012, na edição seguinte do Simpósio Nacional de Educação em Astronomia, Tiago Nadim Ginebro e Paulo Sergio Bretones, da UFSCar, informaram os resultados desse esforço.
Eu, naturalmente, não fiquei sabendo disso tudo enquanto acontecia, e o texto original figurou nesses trabalhos quase como uma obra apócrifa, cuja origem era desconhecida. Até que, duas semanas atrás, Henrique me encontra no Facebook e pergunta se sou eu o autor. A reunião entre criador e criatura não podia ser mais feliz. Uma das minhas motivações ao escrever sobre ciência é justamente combinar informação e entretenimento como forma de combater o analfabetismo científico que impera em nosso país, mostrando que a ciência não só é importante como pode ser divertida. Ao que parece, “Big Bang Brasil” atingiu os objetivos muito além de qualquer expectativa.
Abaixo, o texto original. Veja se não é engraçadinho. E, para quem quiser dar uma olhada nos trabalhos publicados a respeito dele, basta clicar aqui e aqui.

BIG BANG BRASIL
Bial – Olá, pessoal! Está começando mais uma edição do nosso BBB! É o Big Bang…
Torcida no estúdio – Brasiiiil…
Bial – Vamos lá, então, que o programa está quente, muito quente hoje. Quente e denso. A casa andou fervendo nos últimos dias. Mas, antes de mais nada, vamos ver como estão os nossos “brothers”… pode espiar, pode espiar à vontade! E aí, alemão, como é que está aí? Muita emoção?
Einstein – Pois é, Bial, a coisa aqui está quente mesmo.
Bial – Mas o que aconteceu para te deixar assim?
Einstein – Bem, tudo começou em 1915, quando eu desenvolvi minha teoria da relatividade geral. Ela revelou uma coisa muito incômoda, que deixou todo mundo meio perturbado aqui…
Bial – Vish, alemão, o que você aprontou aí?
Einstein – Você sabe, na relatividade geral eu costurei espaço, tempo, matéria, energia e gravidade, tudo no mesmo pacote. Aí, sabe como é, sem muita coisa para fazer aqui dentro da casa, decidi iniciar uma continha. Coisa simples, para flexionar os músculos cerebrais — eu adoro malhar, sabe?
Bial – Noooossa… que conta foi essa, seu Einstein?
Einstein – Bem, decidi aplicar as equações da relatividade geral ao universo inteiro — como se eu fosse calcular o que acontece com o cosmos todo se ele for representado pela minha teoria. E aí aconteceu uma coisa bem desconfortável.
Bial – Eita, esse alemão, viu…
Einstein – Pois é, o que minhas contas mostraram é que o universo não podia estar parado — ele devia estar ou se contraindo, ou se expandindo.
Bial – Que absurdo, alemão!
Einstein – Concordo. Tanto que decidi mudar a teoria no ano seguinte para impedir isso, incluindo uma letra lambda nas equações, de modo a fazer com que o universo ficasse paradinho, do jeito que devia…
Friedmann – Mas alemão, as suas contas estavam certas! A equação original era a mais bonita, você deveria ter acreditado no que ela sugeria… eu mesmo conferi os cálculos.
Bial – Nossa, que polêmica, hein? Para resolver, vamos chamar agora um brother zen, o nosso monge… George Lemaître! E aí, George?
Lemaître – Fala, Bial!
Bial – Tudo bom aí?
Lemaître – Mais ou menos, Bial.
Bial – Por quê?
Lemaître – É o alemão, Bial. Ele andou me colocando contra todo mundo. Diz que as minhas idéias são absurdas. E olha que elas nasceram da própria teoria dele!
Bial – Ih, alemão, o que aconteceu?
Einstein – O nosso querido padre belga devia ficar mais no confessionário, isso sim. Depois de fazer cálculos com base na minha relatividade, em vez de adotar a versão com o lambda, ele apostou na versão original da teoria e agora defende a idéia de que o universo inteiro nasceu de algo como um “átomo primordial”, que explodiu e deu origem a tudo que vemos. Uma bobagem.
Lemaître – Alemão, pára com isso. Você me magoa quando diz que minhas conclusões não têm valor.
Bial – Vish, que bagunça. Fecha o som da casa! Agora vamos ver uma coisa que aconteceu em 1931, com um dos nossos brothers mais queridos, Edwin Hubble.
Hubble – Ih, olha isso aqui! Veja só, eu estava analisando a luz dessas galáxias e parece que todas elas estão se afastando de nós. Que estranho.
Bial – E agora, o que pode ser isso? Vamos dar uma espiadinha!
Einstein, Lemaître, Friedmann e Hubble discutem.
Bial – E aí, quem é que vai se explicar? Hubble?
Hubble – Eu não. Eu só fiz as medidas. Não gosto de me intrometer nessas discussões cosmológicas.
Bial – Monge?
Lemaître – É óbvio, Bial! Se as galáxias parecem estar todas se afastando de nós, é claro que elas já estiveram muito mais próximas antes.
Einstein – Tá, eu tenho de admitir que essas espiadas do Hubble parecem apontar para o fato de que o universo já foi no passado muito mais compacto, e não dá para negar que ele está hoje em expansão.
Bial – Ih, alemão, então aquele negócio de lambda era tudo bobagem?
Einstein – Pois é, Bial. O maior erro da minha carreira.
Bial – Olhaí… confissões no BBB! Mas que bom, parece que tudo se acomodou, com os brothers todos aceitando que o universo nasceu de um ponto muito pequeno e denso…
Hoyle – Todos não, Bial! Esse negócio de Big Bang é tudo bobagem!
Bial – Ué, mas e as espiadinhas do Hubble?
Hoyle – Elas mostram que o universo é dinâmico, mas eu acho um absurdo dizer que ele “nasceu” num ponto do tempo, a partir de um “átomo primordial”, como sugere o monge. Isso é coisa de religioso mesmo.
Lemaître – Ei, peraí, peraí. Você sabe muito bem que eu não misturo a minha fé com a cosmologia — minhas conclusões sobre o átomo primordial derivam da teoria do alemão!
Bial – Esse é o nosso Fred Hoyle, sempre polêmico!
Hoyle – Polêmico não, Bial. É que esse papo de Big Bang não convence mesmo. Mas eu tenho a resposta. Desenvolvi em 1948 uma ótima teoria, chamada de teoria do estado estacionário. Ela sugere que o universo na verdade sempre foi assim. As galáxias se afastam mesmo umas das outras, mas matéria surge do nada entre elas para criar novas galáxias, e o universo continua nesse esquema, eterno e sempre parecido.
Gamow – Tsc, tsc, tsc…
Bial – Ih, parece que o George Gamow não concorda. O que foi, George, para você ficar ressabiado assim?
Gamow – Bial, a teoria do Hoyle não está com nada. Ela não explica como surgiram os atuais átomos do universo. Já o meu modelo do Big Bang explica como apareceram os átomos de hidrogênio e hélio, exatamente nas proporções que existem hoje no cosmos!
Hoyle – Nem vem, seu Gamow, nem vem. Você sabe muito bem que essa explicação não serve de nada, pois não explica como surgiram os outros átomos, além do hidrogênio e do hélio. O que explica isso na verdade é a minha teoria sobre a formação de núcleos atômicos no interior das estrelas! É de lá que nasceram os elementos químicos mais pesados que o hidrogênio e o hélio!
Bial – Ih, que confusão, que confusão! Fecha o som da casa! O Big Bang Brasil está pegando fogo! Vamos deixar os brothers lá se matando, porque daqui a pouco tem o paredão! Gamow e Hoyle vão se enfrentar! Qual teoria vence? A teoria padrão do Big Bang, desenvolvida por Gamow, ou a do estado estacionário, por Hoyle? Vamos dar uma espiadinha?
Einstein, Friedmann, Lemaître, Gamow e Hoyle estão discutindo, quando Robert Dicke decide entrar na conversa.
Dicke – Já sei! Tem uma coisa que pode confirmar se o universo “nasceu” de um ponto muito denso e quente, como diz a teoria do Big Bang de Gamow, ou se ele vive num estado estacionário, como diz o Hoyle. Se ele tiver “nascido” do Big Bang, ele deve ter uma radiação vinda de todas as direções — uma espécie de eco dessa fase altamente compacta do universo.
Gamow – Grande novidade! Eu já tinha previsto isso em 1948, e você apresenta essa idéia como se fosse nova. Tsc, tsc, tsc…
Dicke – Ei, nem sabia que você já tinha dito isso, George.
Gamow – Pois é, se alguém puder detectar essa radiação de fundo…
Bial – E aí, Dicke, você vai dar uma espiadinha nessa radiação?
Dicke – Vou, Bial. Já estou desenvolvendo um aparelho para detectá-la, se ela existir mesmo…
Penzias – Póparar, póparar! Olha aqui o que eu detectei na antena em que trabalho lá nos Laboratórios Bell!
Dicke – Ih, fomos furados, rapazes.
Bial – Que moraaaal… Arno Penzias diz ter encontrado a radiação cósmica de fundo, uma relíquia de uma época apenas 300 mil anos após o Big Bang.
Penzias – Eu e o meu amigo Wilson detectamos esse negócio meio sem querer, mas agora não temos dúvidas: é a radiação do Big Bang.
Gamow – CQD, amigo Hoyle, CQD.
Hoyle – Absurdo. Esse Big Bang é absurdo. As coisas podem parecer boas para a sua teoriazinha agora, mas veja só: eu acabo de desenvolver a minha sensacional teoria do estado quase estacionário, que responde até pela radiação cósmica de fundo!
Bial – Ih, Hoyle, você não está forçando a barra, não?
Gamow – É, Bial, o cara não desiste.
Hoyle – Não adianta. A radiação me pegou de surpresa, mas existe um problema que ninguém está mencionando. A radiação aparece exatamente com a mesma intensidade em todas as direções do universo. Isso indica que o universo foi muito homogêneo no passado e, se isso é resultado de um Big Bang, o universo hoje jamais teria as galáxias que têm, pois era homogêneo demais para evoluir para o mundo de hoje, que é cheio de vazios, com algumas poucas regiões concentradas de matéria.
Gamow – Calma, Hoyle. As variações na radiação cósmica vão aparecer. Falta apenas desenvolver os instrumentos para detectar essas flutuações diminutas.
Bial – Fecha o som da casa! Quem será que tem razão, Gamow ou Hoyle? Vamos dar um espiadinha…
Einstein, Friedmann, Lemaître, Gamow, Hoyle e Dicke estão discutindo, quando George Smoot decidiu entrar na conversa.
Smoot – Então, eu desenvolvi um projeto aqui que pode resolver a parada…
Todos se viram para Smoot.
Smoot – Um satélite. Um satélite para detectar com alta precisão potenciais variações na radiação cósmica de fundo.
Gamow – Parece ótima idéia. Só no espaço para evitar a interferência gerada pela atmosfera nessas observações delicadas.
Bial – Mas e aí, Smoot, vai rolar?
Smoot – Olha, faz tempo que tenho o projeto, mas a explosão do ônibus espacial Challenger, em 1986, está adiando tudo. Tivemos de cortar o tamanho do Cobe…
Bial – O que é Cobe?
Smoot – É o nome do satélite.
Bial – Ahh… vamos continuar espiando.
Smoot – Mas agora ele está pronto. Vamos lançar e, em 1992, devemos fechar um mapa detalhado da radiação cósmica de fundo.
Bial – Fecha o som da casa! E agora? Estamos chegando ao emocionante final! Quem vai continuar na casa, Gamow ou Hoyle? Vamos ver as torcidas aqui no nosso estúdio!
Torcida do Gamow – ÊÊÊÊÊÊÊÊÊ! Big Bang! Big Bang! Big Bang!
Torcida do Hoyle – Êêêê.
Bial – Vamos dar uma espiadinha. E aí, Gamow, está pronto para ver sua família?
Gamow – Nossa, vamos lá!
Batimentos cardíacos de Gamow vão a mil, enquanto ele olha para a tela.
Gamow – Olha lá, todo mundo veio! Mamãe Gamow, tio Gamow, vovô Gamow, vovó Gamow!
Bial – E aí, Hoyle, preparado?
Hoyle – Eu sei que está todo mundo contra mim, Bial, mas vamos lá.
Bial – Olha aí a sua torcida, Hoyle!
Batimentos cardíacos de Hoyle vão a mil.
Hoyle – Puxa, mamãe Hoyle, tio Hoyle, vovô Hoyle, vovó Hoyle!
Bial – Chegou o grande momento, hein? Estão preparados?
Gamow – Sim, Bial.
Hoyle – Manda ver, Bial.
Bial – E atenção. O George Smoot acaba de enviar aos estúdios da Globo o resultado da medição da radiação cósmica de fundo de 1992. Foi uma disputa acirrada, viu? Mas, com uma diferença de uma parte em cem mil, o Cobe encontrou variações que suportam o… Big Bang!
Gamow – Ah, eu sabia, eu sabia, eu sabia!
Hoyle fica com cara de fossa. Einstein, Friedmann, Lemaître, Gamow, Dicke e Smoot vão abraçar Gamow. Hoyle deixa a casa e vai para o palco com Bial.
Bial – E aí, Hoyle, tudo bem?
Hoyle – É a vida, né, Bial?
Bial – Pois é. Mas veja aqui a sua torcida, que veio te receber.
Hoyle – Ih, Bial, pode ficar sossegado. Eles acham que sabem de tudo. Hoje é difícil negar que o universo como o conhecemos surgiu num ponto denso e quente e expandiu a partir dali — essa idéia que eu apelidei de Big Bang lá atrás. Mas ainda tem muita água para correr por baixo da ponte da cosmologia. E mal sabem eles que estão apenas procurando cordas para se enforcar.
Bial – É isso aí. Muito já aprendemos sobre a natureza e o surgimento do universo, mas ainda há muito mais pela frente. Pode continuar espiando…

Blog a Folha
http://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2014/02/03/a-saga-do-bbb-big-bang-brasil/
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