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01/10/2012

ESTADO DE EXCEÇÃO


Luiz Gonzaga Belluzo

A lei promulgada pelo regime nazista em 1935 prescrevia que era “digno de punição qualquer crime definido como tal pelo ‘saudável sentimento’ popular’”. No Mein Kampf, Adolph Hitler proclamava que a finalidade do Estado é preservar e promover uma comunidade fundada na igualdade física e psíquica de seus membros.
Herbert Marcuse escreveu o ensaio O Estado e o Indivíduo no Nacional-Socialismo. Ele considerava a ordem liberal um grande avanço da humanidade. Sua emergência na história submeteu o exercício da soberania e do poder ao constrangimento da lei impessoal e abstrata. Mas Marcuse também procurou demonstrar que a ameaça do totalitarismo está sempre presente nos subterrâneos da sociedade moderna. Para ele, é permanente o risco de derrocada do Estado de Direito: os interesses de grupos privados, em competição desenfreada, tentam se apoderar diretamente do Estado, suprimindo a sua independência formal em relação à sociedade civil.
Foi o que aconteceu no regime nazista. O Estado foi apropriado pelo “movimento” racial e totalitário nascido nas entranhas da sociedade civil. Os tribunais passaram a decidir como supremos censores e sentinelas do “saudável sentimento popular”, definido a partir da legitimidade étnica dos cidadãos. A primeira vítima do populismo judiciário do nazismo foi o princípio da legalidade, com o esmaecimento das fronteiras entre o que é lícito e o que não é. Leio que circula nos meios judiciários a ideia de “flexibilizar” a tipificação da conduta criminosa. Vou dar um exemplo, talvez um tanto exagerado: se João de Tal arrotar na rua, corre o risco de ser enquadrado no crime de atentado violento ao pudor.
Trata-se da emergência, na esfera jurídico-política, da exceção permanente. Coloca-se em movimento a lógica do poder absoluto, aquele que não só corrompe, como corrompe absolutamente. Os cânones do Estado de Direito impõem aos titulares da prerrogativa de vigiar, julgar e punir o delicado sopesamento das relações entre a garantia dos direitos individuais, a publicidade dos atos praticados pela autoridade e a impessoalidade do procedimento persecutório. O consensus iuris é o reconhecimento dos cidadãos de que o direito, ou seja, o sistema de regras positivas emanadas dos poderes do Estado, legitimado pelo sufrágio universal, é o único critério aceitável para punir quem se aventura à violação da norma abstrata.
Já há muito tempo, não só no Brasil, mas também no resto do mundo, sucedem-se os episódios de constrangimento midiático das funções essenciais do Estado de Direito, para perseguir adversários, ajudar os amigos, quando não cuidar de legislar em causa própria. A exceção permanente inscrita nos métodos de justiçamento midiático é funesta para o Estado Democrático de Direito: transforma as autoridades em heróis vingadores, encarregados de limpar a cidade (ou o País), ainda que o preço seja deseducar os cidadãos e aumentar a sensação de insegurança da sociedade. Nessa cruzada militam os que fazem gravações clandestinas ou inventam provas e os jornalistas que, em nome de uma “boa causa”, tentam manipular a opinião pública.
Os apressadinhos não se cansam de dizer que o Judiciário é lento. Poderia e deveria, com mais recursos, pessoal e, sobretudo, com o aperfeiçoamento dos códigos de processo, tornar-se mais rápido. Mas, num sentido profundo, a lentidão é uma virtude do Judiciário. Melhor seria dizer que a instantaneidade dos tempos da web é estranha ao bom cumprimento da prestação jurisdicional. Não haverá julgamento justo sem o contraditório entre as partes, a exibição de provas, os depoimentos. A formação da convicção do juiz, qualquer estudante de Direito sabe, depende da argumentação das partes.
Invocar a virtude, a honestidade ou os bons propósitos para contestar a impessoalidade e o “formalismo” da lei é a maior corrupção praticada contra a vida democrática. Montesquieu dizia que há insanidade na substituição da força da lei pela presunção de virtude autoalegada.
O Judiciário era rápido e eficiente na União Soviética de Stalin ou na Alemanha de Hitler. Os processos terminavam sempre de forma previsível e o contraditório não passava de uma encenação. Tudo estava justificado pelas razões superiores do Reich de Mil Anos ou pelos imperativos da construção do socialismo.
Pauta de Eliton Menezes
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