Mais do que um romancista, o escritor baiano Jorge Amado, cujo
centenário do nascimento se celebra hoje, foi um pensador do Brasil e do
povo brasileiro. Por cá, Viana do Castelo vai atribuir-lhe o nome a uma
das alas da biblioteca e a uma nova rua da cidade que ele tanto amava.
"Os cultos afro-brasileiros como o candomblé surgem no cenário baiano
para agrupar os africanos nessa situação difícil da diáspora, do
sofrimento da escravidão. É um elemento que conjuga todas as várias
etnias africanas [levadas para o Brasil] numa mesma tradição, que usa
como estratégia da ‘família de santo', não biológica", explica Sodré.
Com as inúmeras novelas de Jorge Amado - muitas das quais
protagonizadas por negros e mulatos - as crenças e tradições dos
afrodescendentes foram evidenciadas como um dos paradigmas da criação do
povo brasileiro, em contraposição com a cultura europeia, até então
ensinada como a principal influência.
O próprio Governo brasileiro, ainda na década de 1920, entendia a
mestiçagem como um fenómeno formador da sociedade nacional, mais como
forma de "branqueamento" do negro, do que valorização da cultura negra.
Entre as principais caraterísticas desse paradigma afro-brasileiro,
evidenciado na obra de Amado, Sodré destaca a importância do "presente" -
por oposição ao futuro promissor no paraíso, prometido pela religião
católica - de relações interpessoais concretas - fortes laços de
amizade, vizinhança e parentesco; e da alegria face ao real.
"Não diria que o candomblé é a religião do amor, como é o
catolicismo. É um culto da alegria, que não tem a ver com dar risadas,
mas com aceitar o real como ele é", sintetiza Sodré.
Para o professor, toda essa crença está também inequivocamente ligada à política.
"Jorge Amado dá continuidade, através da literatura, à luta
afirmativa de um povo e confere soberania à raça negra no Brasil",
completa o estudioso.
Fonte: noticias.sapo