Recordo-o ainda. Ele saiu, em um dia de sol, para viajar e nunca mais retornou para nossos olhos físicos.
Quando  o trouxeram, era somente um corpo dentro de um caixão. Lacrado, ao  demais, tendo em vista os dias passados desde a sua morte.
Meu pai era um homem alegre. Gostava de música, de dança, de estar com amigos, conversar, contar causos.
E  ele os tinha às centenas. Toda vez que retornava de viagem, os filhos,  éramos três os menores, nos reuníamos em torno da mesa, na cozinha  ampla, para ouvi-lo.
Ele contava causos de forma pausada. Ia descrevendo as cenas, uma a uma, reproduzia os diálogos.
Por vezes, meu irmão e eu, mais impacientes, o interrompíamos: E daí, o que aconteceu? Conta logo.
Ele sorria mostrando seus dentes curtos, bem moldados. E continuava com a mesma calma, até o desfecho da história.
Tê-lo em casa era muito bom e significava que um de nós iria dormir na cama dos pais.
Por  vezes, nossa mãe nos dizia que desejava ficar a sós com ele. Mas, mal  despertava a madrugada, quem primeiro acordasse, corria para o quarto e  se enfiava entre os dois.
Ele acordava e brincava conosco, fazendo cócegas, jogando travesseiro. Era uma festa!
Meu pai! Quantas saudades! Ele não era letrado. Desde bem jovem conhecera o trabalho duro.
Constituíra família cedo e os cinco filhos lhe exigiam que desse o máximo de si.
Insistia  que precisávamos estudar. E estudar muito. A duras penas, pagou para  cada um de nós o ensino fundamental, em escola particular.
Escolheu  a melhor escola da cidade. Pagou cursos de piano, acordeon, violino  para minha irmã, que cedo entrou para o mundo da música.
Meus irmãos e eu não chegamos a tanto, mas fomos brindados com o que ele tinha de mais precioso.
Ensinou-nos a honestidade, ensinou-nos que melhor era ser enganado do que enganar.
Viveu  no tempo em que a palavra de um homem era documento mais válido do que  nota promissória, duplicata ou qualquer título financeiro.
Legou-nos um nome honrado e disse-nos que o dignificássemos, ao longo de nossa vida.
Olhava para mim, com orgulho e dizia: Um dia você será uma pessoa muito importante!
Hoje, quando viajo pelas estradas, muitas delas velhas conhecidas de meu pai, eu o recordo.
Será que ele sabia que um dia eu seria alguém que viajaria, esclarecendo pessoas, ofertando cursos?
Ele não conheceu todos os netos. Partiu para a Espiritualidade, em anos jovens, deixando-nos um grande silêncio n’alma.
Em homenagem a ele, em nossos aniversários, nas festas de Natal e Ano Novo, nos encontramos.
Rimos, ouvimos música, dançamos. Porque ele nos ensinou a sermos assim.
A vida é dura, mas nós a podemos adoçar, se quisermos. – É o que dizia.
Meu  pai, meu mestre, onde estejas, Deus te guarde. Especialmente nesta  época em que os pais são recordados pelos filhos, que os brindam com  presentes.
Meus irmãos e eu te brindamos com a prece da nossa gratidão: Obrigado por nos terdes dado a vida.
Obrigado por nos terdes ensinado a bem vivê-la.
Redação do Momento Espírita.
Disponível no CD Momento Espírita, v. 16, ed. Fep.
Em 08.08.2011.
