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22/07/2011

VALEI-ME, PADIM CIÇO!.

*Geraldo Duarte

Abraçado ao sacerdócio, Ramon Pantoja deixou Madri e deu-se ao mundo. Cumpriu missões na Europa e na África. Jamais lhe acudiu designação catequista para o Brasil. Menos, ainda, naquele paupérrimo lugarejo nordestino. Juntou seu patrimônio, ocupador de uma mala, tomou rumo e instalou-se na nova – para ele – e velhíssima – para o tempo – paróquia.

Na localidade, esquecida e castigada pelos governantes, um vivente sonhador nascera e sobrevivia, pois exagerado otimismo dizer-se vivia. Clarivaldo Souza, sua graça. Auxiliar de pedreiro, seu ofício. “Correr mundo”, como sonhava, dormindo ou acordado, sua ideia fixa. Diziam, até, ser coisa de doido.

Padre Ramon, nos longos sermões, oferecia aos paroquianos exemplos extraídos da vida de povos sofridos, paragens longínquas, lugares das botas perdidas por Judas.

Misseiro dominical, Clarivaldo, deleitava-se com as sagas do pároco, de quem angariou amizade. Ouvia as narrativas das viagens. Sabendo-o poliglota, mostrou o desejo de aprender inglês. Somente o básico. O clérigo acedeu. Permutou aulas por consertos na igreja.

Nos sertões, há sempre “num belo dia...”. Acompanhado de “o querer do destino...”. E, assim, naquele sábado, os dois ditos completaram-se na sena lotérica acertada por nosso personagem. Prêmio de dois milhões de reais. Doou um para os pais, irmãos e a parentela. Outro tanto para reforma do antigo templo. O restante embolsou.

Despediu-se de todos e partiu na agora realidade: “correr mundo”.

Percorreu países americanos, europeus, africanos e asiáticos. Um ano de aventuras usando rudimentos da língua inglesa e mímica. Em manhã moscovita, viu-se sem dinheiro. A sorte mostrou-lhe um circo espanhol, que o contratou. À noite, travestido em leão, simularia enfrentar um velho e inofensivo ex-rei das selvas. No picadeiro, colocados frente a frente, Clarivaldo sujou-se de medo ao ouvir o rugido da anunciada fera. Desesperado, por instinto defensivo e força inacreditável, replicou estrondosamente. E a platéia ouviu do que seria o verdadeiro animal: “Tô lascado! Desta não escapo! Valei-me meu Padim Ciço!”.

                                              *Geraldo Duarte é advogado, administrador e dicionarista.
Jornal da Cidade
Aracaju, 22 de julho de 2011 
e-mail de Rogério Cristino
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