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15/02/2011

SUGESTÃO DE LEITURA

CAETANO E A RESPOSTA AO TENENTE

Todos os anos, quando março vai se aproximando, não sei bem dizer a razão, lembra-me a ditadura militar de 1964. Alguns fantasmas não me arredam o pé. A ditadura, recorde-se com algum muxoxo, começou com a deposição de João Goulart (1919-1976), único presidente do Brasil a morrer no exílio.

Foi sepultado de pijama, pés descalços, sem a permissão sequer da autópsia do corpo, já que, dizia-se, teria sido envenenado enquanto dormia na sua estância de Corrientes, município argentino, por agentes da Operação Condor, sob o comando do famigerado delegado Sérgio Fleury, então à frente do DOPS, tudo com o aval do presidente Geisel, segundo as versões da época.

A tal Operação Condor teria como missão oficial matar todos os chefes políticos da América do Sul, inimigos dos ditadores militares do continente, envolvendo, no Brasil, Carlos Lacerda, JK e João Goulart. Mesmo depois de sua morte, os militares não queriam que o corpo fosse sepultado no Brasil.

Mandaram fechar a ponte de Uruguaiana (o coronel que autorizou a passagem foi demitido no mesmo dia) e, claro, não permitiram que o caixão fosse aberto. Jango, depois de muita baba entre generais, foi sepultado em São Borja, onde nasceu, ao lado de Getúlio, seu padrinho e amigo.

Entre os túmulos de Jango e Getúlio, hoje, está sepultado também o "Anjo Negro" (Gregório Fortunato), fiel cão de guarda do presidente, assassinado a facadas por um colega de presídio. Todos sabemos o que aconteceu.

Nos 21 anos seguintes e sombrios, só não conseguiram evitar que das sementes bem enraizadas na cultura nascessem as árvores do cinema novo com Nélson Pereira dos Santos - "Rio 40 graus"; Glauber Rocha - "Deus e o diabo na terra do sol"; o teatro social participativo de Dias Gomes - "O pagador de promessas"; e de Guarniere - "Eles não usam black-tie".

Sem esquecer os encantos da bossa nova de João Gilberto e principalmente de Tom Jobim. Tanta beleza assistimos ao florescer da árvore fantástica, com revelações como o clarim de Maria Betânia cantando "Carcará". Como a ternura brasileira de Chico Buarque, talento universal.

O profundo sentido de nação de Vandré, de "esperar não é saber". Todo o esplendor do tropicalismo de Simonal, Caetano, Gil e Gal. O Teatro Opinião, o bravo Pasquim. A voz telúrica de Clementina de Jesus, que eu aplaudi no Teatro Municipal, num show-homenagem promovido pelo governo do Rio. Clementina cantou para um público de Fla-Flu, galerias lotadas de baianas vestidas a caráter.

Do palco, em trajes de rainha, ela gritava: "Este é o Brasil dos nossos sonhos". Frequentadores habituais do teatro ficaram "p. da vida", apoiados pela mudez de uma imprensa quase fardada, pela ousadia de levarem uma cantora negra, pobre e favelada para cantar no seu reduto elitista.

Devemos a essa geração gloriosa um ambiente de liberdades públicas e de atividade cultural que o Brasil jamais vivera antes. Nunca foi tão grande a participação popular na vida política e cultural do País. A ditadura passou, acabou atolada no lamaçal da Transamazônica, onde a História a sepultou em cova rasa.

Muito a propósito, eu conto um episódio: certa vez, preso no inferno do DOI-CODI, na Barão de Mesquita, Caetano, cantarolando ao lado de Carlos Lacerda e Mário Lago, também presos, mostrou seu espírito luminoso.
Deu-se que um tenente da linha dura encarou-o e perguntou: -- "Falam que você é veado; é verdade que você é mesmo veado?".

Caetano riu cinicamente, sacudiu o vasto cabelo em desalinho, deu um sorriso de canto de boca e fulminou: "Eu, tenente, veado? Não, tenente, não sou veado. Sou civil..."

HÉLIO PASSOS
Fonte: Diário do Nordeste
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