Cíntia Moscovich
Recebi um vídeo no qual um rapaz de seus 40 anos, microfone que
parece de brinquedo junto ao rosto, fala a uma plateia lotada. Trata-se
de uma palestra, digamos, motivacional, dirigida a gente que quer se dar
bem nos negócios ou que acaba de levar um fora da namorada – tanto faz.
O rapaz em questão é um desses gurus que acreditam ter inventado a roda
e que pretendem ajudar as pessoas na busca "daquilo que realmente
importa". Didático, ele divide o mundo entre os que são como Gandhi ou
como Eike Batista.
Ao mesmo tempo em que o vídeo ceifava minhas esperanças de um mundo melhor, me caía nas mãos A Culpa É das Estrelas,
do americano John Green. O livro, que fala de câncer, está há 62
semanas no topo dos best-sellers, com 1,5 milhão de exemplares vendidos.
Sem nem ler a primeira página, antecipei o conteúdo: o desespero diante
do diagnóstico, lições para enfrentar a rádio e a quimioterapia e,
lógico, aquela enxurrada de insights que a doença proporciona – e que só
deveria interessar a quem os tem. Pensei que o tal do videozinho e o
livro deveriam se casar e viver felizes para sempre no Reino do
Simplório.
No entanto, o livro não era nada daquilo. Hazel Grace, a
protagonista, já está em estágio avançado da doença, sobrevivendo graças
a uma nova droga (que, lastima o autor, não existe de verdade). Ciente
de que sua vida está por um fio, a menina vive assombrada, mas evita
queixas para não massacrar seus pais. Com direito à depressão e a crises
de falta de ar, Hazel tem que carregar um tubo de oxigênio onde quer
que vá. Alentada por tiradas de um humor meio desconcertado e cru, cheio
do pasmo que o câncer desperta, ela conhece Augustus Waters, jovem em
remissão de um osteossarcoma. Romance à vista, claro. Mesmo que o
desfecho para eles dois – para todos – seja conhecido, a gente fica
torcendo para que consigam fazer tudo o que ainda falta fazer. Meio aos
trambolhões, consumam o amor, viajam e se divertem, perfazendo uma
iniciação afetiva incomum. Uma graça.
A Culpa É das Estrelas não é autoajuda, não traz mensagem
edificante, não divide a humanidade em isso ou aquilo. O filme baseado
no livro acaba de estrear e espero que se mantenha fiel ao espírito de
Green: contar uma história na qual a morte é tratada de frente, sem
facilitações ou reduções, mas com uma qualidade de afetos que consola.
No fim, isso deve ser mesmo tudo o que realmente importa.
Diario Gaúcho
http://diariogaucho.clicrbs.com.br/rs/noticia/2014/06/cintia-moscovich-o-livro-a-culpa-e-das-estrelas-nao-traz-mensagem-edificante-mas-trata-a-morte-de-frente-4521130.html